sexta-feira, 1 de junho de 2012

As Rodinhas.

Eu não pedi por isso. Mas de repente eu me vi em um velocípede. Teus olhos atentos me seguiam enquanto minhas pernas gordas e fracas experimentavam aquela nova experiência. Teus lábios sorriam com meu movimento descompassado e minha expressão triunfante ante cada conquista. Me davas banho, escolhias minhas roupas, meu penteado, meus lanches, meus desenhos animados, e eu tomava tuas escolhas como verdades porque nada sabia da vida.

Até que um dia me viste uma criança um pouco maior, uma criança que já não cabia no velocípede, então compraste uma bicicleta rosa e todos os apetrechos que me mantessem o mais segura possível. Senti medo, mas as rodinhas estavam lá, assim como tuas mãos cuidadosas que acompanhavam cada pedalada. Vez ou outra eu encontrava alguma pedra ou um buraco no caminho e caia, chorava, mas continuava. Sempre me consideraste teimosa e curiosa, mas talvez a minha vontade de ver as engrenagens de perto fosse maior do que o teu temor de eu me ferir.
Aos poucos o medo de andar sem tuas mãos foi sendo substituído pelo desejo de te orgulhar andando sozinha. E eu prossegui, às vezes por caminhos tortuosos. Lavava a louça e deixava a pia talvez mais limpa do que os pratos. Em certos momentos tuas mãos me aplaudiam, noutros eu via um olhar pensativo... achavas que eu corria demais.
Até que um dia eu me senti segura para tirar as rodinhas. Aprendi a tomar banho sozinha, escolher minhas roupas, fazer meu penteado, preparar meus lanches e curtir minhas músicas. Eu me vi pronta pra correr riscos, pra percorrer caminhos mais difíceis e levantar, caso caísse. As feridas de outrora me deixara mais resistente. No entanto, você não estava pronta.

Você não está pronta pra me tirar as rodinhas. Nunca esteve.
Você acha que vai ter aquela criança pra sempre, mas não vai.
É muito conveniente da sua parte me ter sempre em suas mãos, como um fantoche. Você me olha e ainda vê aquela menina de pernas gordas e fracas que não sabe amarrar o próprio cadarço. No meio do caminho eu mudei, e você não se deu conta. Cresci, mas minhas convicções não se tornaram as tuas. Cada passo que dou por caminhos não trilhados previamente por ti são para ti como um pisar despreocupado em um lago fundo. Como se eu estivesse constantemente a me jogar de um precipício. Você esqueceu de como é tirar as rodas. De como é sofrer as consequências boas ou ruins das próprias escolhas. Do sabor que tem as próprias escolhas.
E cada vez mais você me sufoca.
Me afasta.
E espera encontrar sempre o sorriso serelepe da criança ingênua, despreocupada e carente de cuidados que eu fui. Você tenta me assustar com o mundo, me fazer voltar ao berço como se o único lugar seguro fosse embaixo de tuas asas.
Isso é mentira. Isso é covardia.

Não sou uma máquina que se pode ajustar, um robozinho, para que com apenas um toque minhas emoções se convencionem às tuas . Hoje, não tomo mais suas escolhas como verdade. Minhas verdades têm alicerces mais seguros, mais eternos. Fundamentos maiores do que mim e ti.
Eu quero correr de bicicleta e sentir o vento no rosto. Eu quero te envaidecer sendo o que sou, não o que você espera que eu seja, sempre.
Não vou abrir mão de buscar minha felicidade só pra te orgulhar. Troféus são objetos solitários que não se alegram com as próprias vitórias.
E eu não quero ser um troféu que você coleciona.
Te diria tudo isso se soubesses ouvir, mas enquanto meu espírito se turba de impotência, o teu se preocupa em coligir rodinhas.

Cansei.
Tirei as rodinhas.



Vanêssa Aulette.