domingo, 17 de maio de 2015

Das Ruínas.

A tempestade veio. Sem dó. Sem aviso. Sem tempo para abrigar o coração no sótão.
Saí de manhã pra comprar o pão e quando voltei tudo estava abaixo. O nosso castelo sucumbiu, só me restou escombros.
Eu trouxe sua broa predileta, mas você não estava mais lá. Deixou a chave embaixo do carpete e saiu.
Você foi embora sem mim.
Sem olhar pra trás.
Sem podar as flores, sem adubar o jardim.
Sem medir as consequências.

Tentei caminhar pelo terreno para tentar salvar alguma coisa do que foi nosso. Mas tudo estava em ruínas. Só tinha destroços dos meus sonhos esmagados por tijolos. Sufocados. Quando dei por mim também estava em pedaços. Sem perna, sem braços, o coração sangrando. Entrei em choque. Hipovolêmico, cardiogênico, todos os choques possíveis.

Aquele costumava ser nosso lar. Você costumava ser meu lar.
Mas hoje sou apenas uma sem-teto vivendo na miséria de uma vida sem grandes planos porque você estava em todos eles. E de repente você não estava mais.

Ninguém quer ser o único que restou em pé. Ninguém quer ser o último a saber.
Mas tudo em que você confia e tudo o que você pode guardar vai te deixar pela manhã.
Nada vai permanecer o mesmo. Eu não sou mais a mesma.

E agora você é apenas alguém que eu costumava conhecer..



Vanêssa Aulette

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Narizes Invisíveis

Na oficina de palhaço a gente aprende a subir a energia antes de subir a máscara.. dança pessoal, olhares, radiola, qualquer coisa que nos deixe mais vivos. Mas pensando bem, precisamos acessar a caixinha que fica quatro dedos abaixo do umbigo todos os dias, não apenas para subir a máscara, mas para subir a vontade de viver.
Para acordar cedo e ir trabalhar, para esperar o busão lotado, para levar o celular à assistência técnica. Para ouvir sermão dos pais, para lavar os pratos do almoço, para passear com o cachorro. Para levar à sério a dieta, para caminhar na praça, para tomar banho. Para vencer a inércia, ou melhor, fazer melhor uso dela. Se nos acomodarmos, tenderemos a continuar assim, mas se nos movermos não tenderemos a continuar em movimento?
Suba a energia todas as manhãs quando acordar. Bote aquela música pra tocar, dance pro espelho e cante junto. Não necessariamente nessa ordem.
Abrace a pessoa mais próxima que você encontrar, encontre olhares, converse com Deus.
Tenho certeza de que, no mínimo, você se sentirá mais vivo.


Vanêssa Aulette

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Pesos e Medidas.


Você achou que a chama duraria para sempre, que qualquer distância que fosse imposta só serviria para acendê-la mais ainda.
Ledo engano.
Foi-se apagando aos poucos e ao mesmo tempo tão de repente. Com um pouco de terra aqui, um pano molhado ali. Escoteiro nenhum no mundo teria destreza maior.

Amor só se sustenta na reciprocidade. Não dá pra amar hoje e só ser amado semana que vem. Tem que ser de iguais pesos e medidas. Você pode até barganhar aqui e ali, pedir para a moça colocar mais dois limões na sacola, perguntar se faz três por um, mas se fizer isso alguém vai arcar com o prejuízo.
No amor não há cortesia que sustente.
Aquele que recebe menos do que dá, hora ou outra vai sentir mágoa, e esse é um prejuízo com o qual ninguém quer arcar. É difícil esquecer as palavras que não foram ouvidas, os abraços que não foram sentidos, as cartas de amor incorrespondidas e esquecidas dentro da gaveta.

Amor não foi feito para ser guardado, foi feito para ser usado hoje. Quanto mais se usa, mais se tem. Essa é a lei.
É preciso sentir a mesma falta, o coração tem que apertar com a mesma intensidade, é preciso revisitar.
Porque tudo o que não é revisitado, morre.

A sina do meu coração é tecido fibrosado. Tão calejado que já nem bate mais direito.
Já não é mais tão vivo. Tão vermelho.
Já não anda mais embriagado.

Vive a monotonia de uma vida sóbria...


Vanêssa Aulette.

domingo, 13 de abril de 2014

O que é o Amor?

Amor é sorvete em dia quente
Abraço em dia frio
Um pouco de tudo
Preenchendo todo o vazio

É virar a vida ao avesso
Beijar com os olhos
Cheirar com a boca
Sorrir com os dedos

É a felicidade por antecipação
O reencontro que acalma
O grito suave na alma
O peito que bate em outro coração

Onde o milagre acontece
Onde Deus não vê pecado
O Amor não são migalhas
São os pães e peixes multiplicados.

domingo, 12 de janeiro de 2014

De Olhos Fechados

Olhos fechados, colados. A respiração leve e o corpo mais leve ainda. O cheiro no meu travesseiro, ou tavez na minha mente, não sei. A tentativa bem sucedida de reviver cada minuto intenso. Apaixonado.
Em um mundo paralelo onde as horas escorrem por entre os dedos sem piedade. Mas onde você pode estar em uma praia quente, um céu estrelado, um jardim florido se ele estiver lá. Onde você sente o gosto de mel fresco, sorvete de flocos e suco de laranja na boca.
Não necessariamente nessa ordem.
É uma antítese de sensações. É paz e inquietude ao mesmo tempo. É calma e alvoroço. A alma mais pura e o fogo. É quando você se entrega sem medo porque ele sabe o momento certo de parar.
Ele sempre sabe.
"A verdade é que só mostramos parte do sentimento. A outra parte só observa, fica no bolso pra quando solicitada."
Mas você não tem isso pra sempre. A memória, a sinestesia e as palavras são o que sobra desses momentos mágicos. Pequenas dádivas que fazem morada nos meus pensamentos distantes.
Onde eu sempre posso te encontrar.
De olhos fechados.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Amigos de Longa Data.

Por mais que haja o conhecimento mútuo e o desejo de fazer durar, os laços se afrouxam, as ligações se tornam mais raras e espaçadas. Quando vocês se reverem e olharem fundo nos olhos, nenhuma palavra precisará ser dita pra entender o momento. Vocês estarão felizes porque uma parte de você, aquela pessoa do passado, reconhece a amizade, as confidências, a música de percussão improvisada cantada num dia de chuva. A parte de outrora reconhece que um dia vocês disseram um pro outro que seria para sempre.

Na verdade, o sentimento não morreu, só continuou vivendo sem os dois.

E aqueles olhos que um dia foram tão cúmplices se enchem do reconhecimento de que "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia".
Antes, o outro era como a casa da infância onde você conhecia os esconderijos, o local certo dos móveis, o local exato das goteiras no inverno. Hoje você se pega perdido em pensamentos buscando palavras para preencher o silêncio constrangedor que que ficou, você se agarra às lembranças vividas na espera de que o outro também se lembre e de que aquele momento mágico de nostalgia vá trazer a intimidade, o jeito fácil de conversar, as piadas prediletas. Mas nada disso volta.

Primeiro vem o sofrimento, depois a conformação.

Você conhece uma nova pessoa, é cativado por ela e, mesmo sabendo do fim das coisas, não deixa de dizer a frase costumeira:
"Vai ser pra sempre!"

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Salgadinhos de Queijo.

É na companhia que você vê melhor. No entrelaçar dos dedos, no som do riso, na hipnose dos olhos..
É o detalhe que faltava, é o remédio certo. Sempre esteve lá e ponto.

Quando o outro se aproxima é que você passa a enxergar. Cones e bastonetes? Você nunca precisou deles, eles não funcionam. Você sempre precisou de um amor, esse funciona. Sempre.
Um supermercado vira um parque de diversões. Um colo vira uma cama. Os olhos, uma câmera.
A saliva, o copo d'água.

Parece que as cores ficam mais claras. Os sons ficam mais harmoniosos. Os sonhos brincam de pega-pega na sua mão. Os anjos da guarda murmuram um louvor a Deus enquanto observam, de perto,  aquelas duas almas desejosas de se fundirem de um vez por todas.

É na presença que você sente o bater do coração. O coração do outro. Você sente um calor fluir, mas nunca atinge o equilíbrio térmico. O gás carbônico nunca foi tão necessário quanto nesse momento. Você descobre que nunca precisou aprender a respirar, ele respira por você.
Ele é o próprio ar.

Na ausência você é pego se confessando pelos cantos. Pede perdão até pelo que nem cometeu, para que continue merecendo. Você vê o arco-íris cinza, a imagem turva no espelho. Porque ele é o espelho perfeito. Você franze o cenho pra uma espinha aqui, faz biquinho pra uma gordurinha ali, e ele discorda. O espelho fala contigo e te convence de que você está errada. Te chama de linda até você se convencer disso! Ele estende os braços e te aceita.

Quando ele está lá o mundo muda a todo instante. Você se vê em cima de uma árvore enquanto ele conta os seus sinaizinhos. O saguão do prédio vira um salão de beleza enquanto ele tenta penteia suas sobrancelhas e arruma sua franja. De repente você se vê em um consultório odontológico enquanto ele observa seus dentes.
Você sorri.

E quando ele te beija.. o mundo para. Você se esquece do próprio nome.

Quando ele não está lá, você faz de tudo pra sabotar a ausência. Você faz salgadinhos de queijo pra senti-lo mais perto. Ele adora seus salgadinhos...

Você gostaria que ele estivesse aqui. Mas nenhuma tristeza virá, nada virá pra enfraquecer o sentimento. Ele sempre estará aqui.
Ele e o sentimento.

Vou ali preparar uns salgadinhos de queijo.
E ele, com certeza, vai me jogar farinha e bagunçar meu cabelo.