quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O sonho



Te encontro, depois de tanto tempo, sentado no vagão do trem. Aproximo-me e vejo que não sou a única a estar surpresa. É um misto de sensações que não sei ao certo a que me domina no momento. Como quisesse falar algo para disfarçar esse meu estado, chamo algumas palavras cá dentro e elas acudem-me de pronto e enchem-me a boca, mas recolhem-se ao coração. O máximo que pude dizer naquele momento foi um sussurrado "oi".
Sento ao teu lado e por mais assustados que estejamos conseguimos atar um diálogo. Falamos do clima, do natal, da vida, dos pássaros, mas nada tocante ao passado. No meio da conversa acabo descobrindo que nos encontraremos ainda mais vezes. Nossos caminhos estavam se cruzando novamente.
Descemos do trem e ficamos a nos olhar. A nostalgia tomando conta daquela situação. Como quisesse falar algo, chamo algumas palavras; elas me enchem a boca e, novamente, se recolhem no meu coração. Num súbito de coragem levanto os dedos trêmulos e acaricio o teu rosto depois de tanto tempo. Não o fiz depressa, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aquela mandíbula forte, que era parte tua. Sinto que naquele gesto e naquele olhar pudestes ouvir as palavras mais doces que não conseguiram ser ditas.
Como que te sentindo estremecer, aproximo-me hesitante da tua boca. Te fito os olhos à procura de alguma relutância. Mas tu estás petrificado à espera do próximo passo. Já não consigo diferenciar minha respiração da tua. Fecho os olhos e, assim como o orvalho, mais uma vez cresto levemente essas rosas que são teus lábios...
E então...
O abrir dos olhos,
Um quarto escuro,
E tudo não passava de um sonho...



Vanêssa Aulette

Como folhas...

Me pego pensando em nosso caso confuso, incerto. Passo horas tentando entender em que ponto tudo mudou pra você. Passo dias esperando uma carta ou um simples bilhete com um mínimo garrancho seu que mantenha acesa essa chama. Mas as cartas não chegam...
Passo os dias esperando pelas noites, onde poderei vê-lo e senti-lo como costumava sentir... costumava. Tento transcender e imaginar um final feliz no meio de todo esse rebuliço, assim como nos contos de fadas. Tento buscar em mim um lugar em que eu ache seguro confiar meus sentimentos sem que eu corra o risco de perdê-los lentamente...
Devaneando sinto que estamos na mesma zona de alcance, contudo sua frequência está bem distante da minha. Continuo tentando ler mentalmente as cartas que você não me escreveu e ouvir todas aquelas doces palavras que você não me disse. Continuo tateando no escuro com a ligeira esperança de encontrar a agulha que se perdeu do palheiro. Mas a agulha simplesmente sumiu. A pouco encontro jogada no chão a chave da minha cela cardíaca largada como que sem valor, sem interesse. Já não espero pelo carcereiro; ele se desobrigou de seus afazeres, de guardar o bem mais precioso que eu pude lhe dar: o meu coração...
E assim, largado, sem cuidado, sem atenção, esse órgão vivo vai desfalecendo, assim como eu. Olho nossas fotos, fito seu sorriso na esperança de que estejas sorrindo pra mim. Minhas pálpebras pesadas caem enquanto esse teu sorriso que já não é meu fica em meus sonhos profundos, num passado muito, muito distante. A areia do tempo desce lentamente e vai enterrando os mais entranháveis afetos que um dia eu pude sentir...
Nado a esmo na água que brota incessantemente dos meus olhos sem um motivo ao certo. Já não tenho motivos para tentar entender esse mar de incertezas. Aos poucos vou caindo em mim e chegando à conclusão de que nado sozinha...
Aos poucos esse meu coração morre lentamente, perdendo as esperanças como folhas no outono, até que um dia nada resta, nenhuma esperança, não resta NADA...


Vanêssa Aulette