sexta-feira, 29 de julho de 2011

Chazinho Com Biscoitos




"O amigo ama em todos os momentos; é um irmão na adversidade" (Provérbios
17.17)


Falar em amizade é fácil. Difícil é ter alguém em quem confiar de verdade. Eu tenho.
Meu melhor amigo nunca me pediu um texto. Talvez seja por isso que eu escrevo, pela espontaneidade. Ele sabe deixar que as coisas aconteçam a seu tempo. Meu melhor amigo é ele: Wladimir Martins. Faz aniversário dia 29 de Julho. Hoje.
Costumamos dizer que somos amigos virtuais. Isso mesmo, nossa amizade nasceu e cresceu em longas conversas no MSN e pouco contato no mundo real. Mal conseguimos conversar olho no olho. Até mesmo pelo telefone persiste o estranhamento. Nós não acostumamos a retina aos olhos, os tímpanos à voz, a mão à pele. As letras são o que me consolam. Sua caligrafia apressada é o mais próximo dele que eu consigo chegar sem o rubor na face.
Às vezes me pego tentando entender como aconteceu. De uma hora pra outra já éramos grandes amigos. Simplesmente. O mais próximo que cheguei de desvendar esse mistério foi dar créditos ao tempo. Sim, o tempo que dedicamos um ao outro. O segredo da amizade é esse: dedicação. Ele sempre esteve ao meu lado, mesmo à distância. Horas ao pé do computador tentando encontrar uma solução para algo banal. Não importa o que, nem a solução. O que importa é a cumplicidade. É quebrar a cabeça, mesmo que não venha solução.
Ele me deu um ombro. Na verdade, os dois. Ou melhor, vários. Já perdi a conta de quantas lágrimas ele me ajudou a enxugar. Nós perdemos amores e nos ajudamos a regenerar a alma juntos. Com ele eu compartilho tudo. Nós compartilhamos. Histórias cômicas e trágicas, peculiaridades, inseguranças, teses. Wladimir me conhece mais do que minhas emoções se sabem. Ele me aproximou de Deus. Esse é o meu conforto: saber que tenho em quem confiar. E confiar mais. Uma confiança que transborda. Ele não me deixa desistir de mim.
Wladimir sempre me apoia.
Mentira, às vezes ele discorda totalmente e defende sua ideia de maneira sutil. Mas é isso que faz a diferença, nossas antíteses se completam. Nós criamos, modificamos e desenvolvemos tantas teses que poderíamos escrever um livro com elas. Ele me inspirou a escrever um poema e a testar a eficiência dos Correios, pela primeira vez.
Somos generosos nos elogios. Usamos da implicância para demonstrar afeto. Temos uma admiração mútua. E um adjetivo predileto: Romântico. Temos um mundo imaginário só nosso. Nele, Wladimir me leva para tomar chazinho com biscoitos, brincar no parquinho, ou dançar em cima do telhado. Cultivamos juntos um jardim de rosas vermelhas.
Já perdi a conta de quantas vezes lhe mandei sms no meio da madrugada simplesmente por estar sem sono. Ele me ajuda a tornar o ócio criativo.
É o rapaz mais inteligente que eu conheço. Tem talento pra música. Aprendeu sozinho a tocar flauta transversal e violão. Ainda fico impaciente com seu jeito passivo-agressivo. Wladimir sabe rebater minha impaciência com destreza. Ele usa aparelho e briga com o sorriso, quando esse quer desabrochar. Se permite, apenas, o sorriso da Monalisa. Ele me fez comer pão com bolo. Tem uma tara por perfumes femininos e biscoitos com recheio. Adora meus salgadinhos de queijo. Me vence no xadrez, mas não na sinuca.
Ser amigo é saber a fundo o que o outro gosta ou deixa de gostar. É conhecer mais o silêncio do que uma multidão de palavras. Criar adjetivos e piadas internas que só eles saberão. Retrucar a admiração com mais admiração. Puxar o verbo quando for necessário.
Somos amigos a 2 anos, e ele não desistiu de mim. Nossa amizade cresce a cada dia. Mesmo. Somos leais. Fiéis. Mais do que em qualquer relação amorosa.
Um dia ainda tomaremos aquele chazinho com biscoitos.


"Eu sou o diário dela, e ela é meu diário." (Wladimir Martins)
Parabéns pelo seu dia, criança de 7 aninhos que estuda em colégio especial!
Uma rosa romântica da sua ratinha,

Titia.

domingo, 24 de julho de 2011

Beijo de verdade

Sempre me perguntei como seria meu primeiro beijo de verdade. De verdade, se me entendes. Pode esquecer os selinhos na mamãe, na titia, no irmão. Esqueça os selinhos. Eu falo do beijo de cinema. Do cinema que plantou botões de rosa e pintou arco-íris na minha massa cinzenta.

Imaginava meu primeiro beijo no baile de formatura, daquelas formaturas à fantasia, de filme americano. Eu seria uma princesa, e talvez fosse coroada a rainha do baile depois de tudo. Às vezes, minha imaginação não ia muito longe. Às vezes, meu pé só levantava enquanto meu amado enlaçava minha cintura. Estaria tocando uma música romântica ao fundo. Uma música para eu chamar de "nossa".

Não conseguia decidir ao certo o que faria com minhas mãos. Talvez segurassem outras mãos. Ou talvez se perdessem n'outros cabelos. Mas o melhor de todo esse devaneio, aquilo sobre o qual eu não tinha dúvidas de como gostaria que fosse, seriam duas coisas.

A primeira: Ele não precisaria ser muito alto, mas o bastante para me levar à ponta dos pés. Talvez seja o desejo íntimo de todos, o de superar obstáculos por aquilo que ansiamos com todas as nossas forças, mesmo que fosse alguns centímetros do chão.

A segunda: Seria com amor (correspondido). Simplesmente. Nunca fui do tipo maria-vai-com-as-outras. Nunca me deixei levar por aquelas que me zombavam por ser o que chamam de "BV". Pra falar a verdade, eu sentia um orgulho íntimo nisso, uma afeição com o intocável. Um estranho nunca teria meu beijo, não com minha vontade. Seria com alguém que significasse tudo. Seria quando eu sentisse aquela sensação de que não haveria nada igual.

Sempre me perguntei como acontecia um beijo. Será que vem do instinto? Será que já nascemos com o conhecimento dessa arte? Por via das dúvidas, não quis correr o risco de não estar pronta. Odeio quando não tenho a palavra certa, a atitude prudente, o conselho tão necessário. Odeio simplesmente não saber como agir. Com o primeiro beijo não seria diferente. Quem nunca teve um caso de amor com a própria mão, que atire a primeira pedra.

O que mais me perturbava disso tudo era o pós-beijo. O que se fala depois do primeiro beijo? Como eu disse, odeio não estar pronta. E isso eu não podia controlar, sequer conseguia pensar em um diálogo coerente com o espelho. Nos filmes tudo é mais fácil. Sempre.

Meu primeiro beijo aconteceu, mas não foi como eu imaginei.
Não teve baile. Minha perna não levantou. Não tinha música romântica ao fundo. O garoto era mais baixo do que eu. Pouco depois descobri que ele não me amava realmente. Que ironia, não? Eu não sabia como me sentiria durante meu primeiro beijo de verdade, não se sabe tanta coisa aos 14 anos de idade. Só tinha a certeza de que não deveria me sentir daquele jeito. Eu estava tão preocupada com a técnica , com o "fazer certo", com o que o outro iria achar, que acabei esquecendo de sentir aquilo. A famosa "magia do primeiro beijo". Isso eu só fui sentir pouco mais de um ano depois.

O medo nos impede de amarmos plenamente.

Se seu primeiro beijo ocorreu às mil e uma maravilhas, parabéns, você é uma pessoa de sorte.
Porque nem sempre seu primeiro beijo será seu primeiro beijo DE VERDADE.

Não crie expectativas. Não planeje. Quando você planeja, nem sempre as coisas saem como você desejaria que fossem, nem da forma como realmente deveriam ser. É um fiasco. Deixe acontecer.

Quando você der seu primeiro beijo de verdade você vai entender. Porque quando os lábios se tocarem você vai sentir no corpo todo. Um beijo tão quente e profundo que você não vai querer parar pra respirar. Você desejará que, pelo resto da vida, seus beijos sejam só dele(a), de mais ninguém. As borboletas do seu estômago visitarão as borboletas do estômago do outro. Ambos os corpos estarão tão inundados em uma neblina, que você estará em um baile, se quiser, ou numa praia deserta, sob a luz da lua, se quiser. Isso não vai importar. Porque ambos estarão tão desligados do mundo que não lembrarão nem o próprio nome. Você sairá de órbita, será só você, ele(a) e aquele momento. É quando você está tão inebriado com a respiração do outro que tampouco importa a música romântica estar tocando ou não. Você nem vai lembrar das próprias pernas. Você vai perder o chão. Você não vai precisar superar os obstáculos, o outro superará por você. Quando os lábios se soltarem, enfim, as palavras vão sair naturalmente. Será diferente de tudo o que você imaginou um dia. Mais tarde você vai tentar recordar a posição exata dos braços que te envolveram, mas você não vai lembrar dessa vez.
Nem da próxima.

Porque amar é sair do próprio corpo para tentar o do outro.

Quando você sentir isso, parabéns, você deu seu primeiro beijo de verdade.
Você terá a sensação de que não haverá nada igual.

Porque quando achar a pessoa certa, seu primeiro beijo vai ser TUDO.


Vanêssa Aulette

sábado, 16 de julho de 2011

Simplesmente esquecemos

Deixe o peso rolar dos seus ombros. Você não sabe que a pior parte já passou? Nós esquecemos. Sim, nós simplesmente esquecemos. A conversa pendente não precisou ser terminada para ser entendida. Os olhos falaram por nós dois.

Pra onde foram as cobranças e a mágoa? E a culpa, então, em quem jogamos? Já nem lembro da culpa. Dos espinhos. Eles simplesmente saíram com a mesma rapidez com que entraram. Sem piedade. Sem olhar pra trás para não dar espaço para a dúvida.
Nós esquecemos de encurtar o abraço, de negar sorrisos, de manter metros de distância, da indiferença. Dos verbos definitivos e quase seguros de sí decorados no espelho. Nós esquecemos de fingir.
Quando esquecemos de demonstrar a raiva é porque nós nunca a sentimos, realmente.
Em vez disso, nós demos lugar às provocações, às ironias, ao afago na franja, ao rubor da face, à proximidade desnecessária (mais necessária do que você imagina), ao abraço e aperto de mão infindáveis. Nós demos lugar à nostalgia. À mesma lua cheia de um fim de tarde de quinta-feira.

É como quando comemos um bolo. Começamos pelo miolo, pelo homogêo. Por fim, saboreamos a cobertura com suas caldas e granulados. O mais prazeroso fica por último. Você me deixou por último. Eu sei.

Nós falhamos no plano. O plano falho mais recompensador de todos. Porque se toda recompensa fosse essa, desejaria passar a eternidade falhando. E você não poderia me culpar por isso porque também falharia. Você me entenderia. Sempre.

Todo o tempo nunca seria longo o suficiente ao seu lado. Já sinto falta do seu cheiro, meu amigo.

Mas não diga nada, não agora. Deixe o tempo falar por nós dois.

Porque os espinhos vão embora, mas são essas pequenas maravilhas que permanecem.


Vanêssa Aulette

domingo, 3 de julho de 2011

Crianças do parquinho

Depois de cuidadosa consideração e muitas noites sem sono você descobre que não há nenhuma coisa tal qual o crescimento. Nós saímos do casulo, nós mudamos. Nós aprendemos com os nossos erros. (Nada mais eficaz do que aprender com os próprios erros). Olhamos com olhos sábios para quem fomos. Muitas vezes nos envergonhamos desse passado, mas é normal. Que mal tem em cheirar o próprio pum no sofá aos 9 anos de idade? É fase.

Cada dia é um aprendizado. Saimos com o guarda-chuva no dia nublado. Aprendemos o macete para se abrir vidros de palmito. Assimilamos a posição estratégica do absorvente na calçinha. Passamos a ser o porquinho que constrói a casa com cimento e tijolos. Nós pegamos o jeito.
Nós nos acostumamos com a dor e a acolhemos como uma velha amiga. Porque ela sempre bate à nossa porta, embora por diferentes motivos, ou talvez os mesmos motivos com uma nova roupagem. Nós nos tornamos íntimos da dor, aprendemos a conviver.

Maturidade é segurar a dor no colo.

Aprendemos, de alguma forma, a anestesiar os sentimentos. Você namora aquele par de sapatos da vitrine, mas consegue refrear o impulso de amaldiçoar a vida por não poder comprá-lo no momento. A paciência chega com o tempo. É como um copo que aumenta de volume com o passar dos anos. Pinga, pinga, inunda até a borda, mas não transborda.

Você não se acostuma com as perdas, você se conforma. Porque, de uma forma ou de outra, as coisas, pessoas, sentimentos, momentos que perdemos acabam sendo substituídos por outras coisas, pessoas, sentimentos e momentos. Tudo a seu tempo.

Maturidade é o olhar sereno de uma idosa.

Se você tem sorte, cura as feridas superficiais. Mas as inseguranças básicas, os pequenos medos e todas aquelas velhas e grandes feridas crescem conosco. Temos que lavar essas feridas e esperar um tempo... pra que se curem.

Mas, apesar de todo esse suposto controle da situação, o plano falha. É como a água que escorre por entre os dedos. De repente, não chove. O vidro racha. O sangue vaza. Esquecemos de esquentar a lareira. Você se pergunta "o que deu errado?". O manual de instruções se torna inútil e você sente o desejo de mandar o fabricante às favas. Mas cada caso é um caso. Precisamos permitir que o plano de nossas vidas assuma viradas inesperadas. Que a direção dos projetos que pensávamos ser estáveis sejam instáveis. Isso é entender o tempo.

Maturidade é fazer o bolo sem a receita.

Nós ficamos grandes, nós ficamos altos, nós envelhecemos, mas na maior parte do tempo somos um grupo de crianças correndo em volta do parque tentando desesperadamente ficar em forma. Quando tudo parece equilibrado, manso, intocável, a máscara cai e tomamos decisões desesperadas e/ou infantis. A nostalgia vence. Sentamos no chão da fila do cinema. Dançamos na chuva. Raspamos o pote de iogurte com o dedo. Guerriamos com bolinhas de catota. Dormimos abraçados com nossos velhos ursos. Passamos um trote mudos só para ouvir uma determinada voz. Nós quebramos as regras que fazemos para nós mesmos. Nós temos acesso de raiva quando as coisas não vão como queremos. Agimos como crianças cheias de gostos e birrentas de supermercado. Nós sussurramos segredos bobos pros nossos amigos. Nós procuramos conforto onde nós podemos achar. E nós desejamos ferrenhamente, mesmo indo contra toda a lógica, contra toda a experiência. Como crianças, nunca desistimos da esperança, dos sonhos. Os sonhos são como parte de nós. Viver sem eles é como guardar o braço na gaveta, esconder os olhos no porão, estender a perna no varal.

É possível crescer, mas eu nunca conheci alguém que realmente tenha feito isso.
As lições não se fixam de uma hora pra a outra. É um evento, grande ou pequeno, alguma coisa que muda a gente. Idealmente nos dá esperança, uma nova forma de viver a vida e de olhar o mundo. Desfazemo-nos de velhos hábitos, memórias antigas. Apertamos o botão F5 e, de repente, não somos os mesmos.
Mas no fundo, no fundo, sabemos que existem algumas coisas que valem àpena serem mantidas.

Porque ser maduro é permitir-se ser a borboleta
Sem deixar de revisitar o casulo.


Vanêssa Aulette